diário
do nordeste
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23.03.2013
FERREIRA
GULLAR
A
revolução que não houve
Chávez
intitulou seu regime de "revolução bolivariana", embora
não tivesse feito qualquer revolução
Hugo
Chávez foi, sem qualquer dúvida, um líder carismático que aliava,
em sua atuação, a audácia e a esperteza política. Desde cedo, a
ambição de poder determinou suas ações, que o levaram da
conspiração nos quartéis às manobras populistas características
de seu projeto de governo.
Sempre
soube o que deveria fazer. Compreendeu, desde logo, que teria de
atender às necessidades de grande parte da população que, ignorada
pela oligarquia venezuelana, vivia na miséria.
Ganhar
a confiança dessa gente, atendê-la em suas carências, era a
providência eticamente correta e, ao mesmo tempo, o caminho certo
para tornar-se um líder de imbatível popularidade. Mas, para isso,
teria que enfrentar os poderosos e obter o respaldo das forças
armadas, às quais, aliás, pertencia. Foi o que fez e ganhou a
parada.
Outro
traço característico de Hugo Chávez era o pouco respeito às
normas democráticas. Se é verdade que ele chegou ao poder pelo voto
e pelo voto nele se manteve, é certo também que se valeu do
prestígio popular e de alguns erros dos opositores para controlar os
diferentes poderes da nação venezuelana, impor sua vontade e
consolidar o poder discricionário.
Nesse
sentido, o que ocorreu na Venezuela é um exemplo de como o regime
democrático, dependendo do nível econômico e cultural da população
de um país, pode abrir caminho para um governo autoritário que,
dependendo da vontade do líder, anulará a ação política dos
adversários, como o fez Hugo Chávez.
Ele
não só fechou emissoras de televisão como criou as Milícias
Bolivarianas, que, a exemplo da conhecida juventude nazista,
inviabilizava pela força as manifestações políticas dos
adversários do governo.
Para
culminar, fez mudarem a Constituição para tornar possível sua
reeleição sem limites. Aliás, é uma característica dos regimes
ditos revolucionários não admitir a alternância no poder. Está
subentendido que sua presença no governo garante a justiça social
com a simples exclusão da classe exploradora e, portanto, como são
o povo no poder, não há por que sair dele.
Chávez
intitulou seu regime de "revolução bolivariana", embora
não tivesse feito qualquer revolução. O que fez, na verdade, foi
dar comida e casa aos mais necessitados, o que, ao contrário de
levar à revolução, leva à aceitação do regime pelos que
poderiam se revoltar. Daí a necessidade de haver um inimigo, que
ameace tomar o que eles ganharam. E o líder -Chávez- está ali para
defendê-los.
O
azar dele foi o câncer que o acometeu e que ele tentou encobrir.
Quando já não pôde mais, lançou mão da teoria conspiratória,
segundo a qual seu câncer foi obra dos norte-americanos. Como isso
ocorreu, nem Nicolás Maduro nem Evo Morales se atrevem a explicar.
De
qualquer modo, tinha que se curar e foi tratar-se em Cuba, claro,
para que ninguém soubesse da gravidade da doença, que o obrigaria a
deixar o governo. Sucede que o câncer não cedeu à onipotência do
líder, obrigando-o a ausentar-se da Venezuela e da chefia do
governo, por meses seguidos. O povo venezuelano, naturalmente,
desejava saber o que se passava com o seu presidente, mas nada lhe
era dito.
No
entanto, Chávez deveria disputar eleições em 2012 para manter-se
no governo e, por isso, voltou à Venezuela dizendo-se curado. Foi
reeleito, mas teve que voltar às pressas à UTI em Havana. Daí em
diante, mais do que nunca, o sigilo foi total: está vivo? Está
morto? Vai voltar? Não vai voltar? Pela primeira vez, alguém
governou um país de dentro de uma UTI.
Chega
a data em que teria que tomar posse, mas continuava em Cuba. Contra a
Constituição, Nicolás Maduro, que ele nomeara seu vice-presidente,
assume o governo, embora já não gozasse, de fato, da condição de
vice-presidente, já que o mandato do próprio Chávez terminara.
Mas,
na Venezuela de hoje, a lei e a lógica não valem. Por isso mesmo, o
próprio Tribunal Supremo de Justiça -de maioria chavista, claro-
legitimou a fraude, e a farsa prosseguiu até a morte de Chávez;
morte essa que ninguém sabe quando, de fato, ocorreu.
Durante
o enterro, Nicolás Maduro anunciou que Chávez seria embalsamado e
exposto para sempre à visitação pública, como Lênin e Mao
Tse-tung. Um líder revolucionário de uma revolução que não
houve. Não resta dúvida, estamos em Macondo.