O fantasma brasileiro não usa jaleco


FONTE: JORNAL O POVO/ OPINIÃO

02/09/13



O fantasma brasileiro não usa jaleco


Felipe Araújo

felipearaujo@opovo.com.br 
Editor-chefe de Cultura e Entretenimento
 do O POVO

Alguns dos melhores seres humanos que conheço são médicos. São amigos, parentes ou interlocutores na relação paciente-terapeuta que personificam exemplos de vocação e comprometimento. Também conheço outros tantos que não são dignos de usar um jaleco. São “doutores” formados – na universidade e, sobretudo, em casa – sem nenhum lastro humanitário, que veem a profissão apenas como um patamar de status financeiro (e também moral); e que têm muito menos vocação para a medicina do que para o comércio.
Entre uns e outros, há os que são contra o programa Mais Médicos. E defendem sua posição com argumentos razoáveis – a precariedade na relação com as prefeituras, a falta de uma carreira de estado e de condições de trabalho em muitos locais (vide a situação atual do HGF) etc.
Outros tantos são a favor. E defendem o projeto com argumentos igualmente produtivos – a medicina tem de ser mais humanizada; o programa não se propõe a resolver o problema da saúde brasileira como um todo, mas atenuar dramas localizados (e urgentes); a categoria não pode usar seu prestígio como instrumento de barganha de mercado etc.
Portanto, ser contra ou a favor do projeto não os torna mais ou menos exemplares. Apenas os transforma em interlocutores com perspectivas diferentes sobre o problema.
Mas há quem queira fazer do debate democrático um embate xenófobo. Há quem queira envenenar, com ódio, intolerância e falso moralismo, o que poderia ser uma rica dialética. Entre esses, estão médicos, mas também sindicalistas, políticos e jornalistas, arautos de um efervescente caldo de preconceito que resultou em episódios deploráveis como a hostilidade aos médicos cubanos em Fortaleza.

Esse me parece o fantasma mais perigoso para o Brasil. Não os médicos cubanos. E também não o corporativismo dos médicos brasileiros. Mas nossa incapacidade de lidar com o outro. Alimentada pela voz dos que só sabem cultivar desinformação e estupidez. Esses são os piores seres humanos que conheço.

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